#19 – O papel de cada um

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Não tenho a menor dúvida de que as primeiras, senão as mais importantes lições de justiça foram ministradas em nossos lares, pelos nossos pais, quando ainda éramos crianças, como, por exemplo: falar a verdade; não pegar o que não é seu, entre outras.

Seguimos a caminhada da vida, adquirindo maturidade a cada passo, e, então, encontramos na escola a continuidade destas lições, as quais passaram a ser explicadas por outra voz: a do professor.

Pois bem. Nesta linha do tempo, chega um dia em se ensina o papel conferido ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário. Isso ocorre por volta do 4º ano escolar do ensino fundamental. Sobre o Poder Judiciário, é dito que lhe cabe “fazer justiça”, resolvendo, para tanto, os conflitos que lhe são submetidos a julgamento.

Como se percebe, muito tem sido explicado sobre o papel de cada instituição, mas pouco sobre o papel conferido ao próprio cidadão, ou seja, a cada um de nós, muito embora sejamos o primeiro e mais interessado na solução dos problemas que afetam nossa vida, os quais, não raras vezes, dela furtam o ponto de equilíbrio, entendido por alguns como harmonia, por outros como paz de espírito. Nem preciso falar sobre a dimensão do prejuízo que tal situação acarreta.

A verdade é que não basta explicar, pois a vida não é um quadro a ser observado. Há que se estimular o individuo – por meio de atitudes concretas, verdadeiros exemplos de conduta – a desenvolver, ao longo da vida, a habilidade de resolver o problema antes que se converta num conflito e, o que seria ainda pior, num litígio judicial. Tal exercício de conduta pode e deve se dar tanto no meio familiar, como no escolar e em todos os demais ambientes sociais que participamos.

Bem, não bastasse isso, e o que me parece mais preocupante, é observar que as faculdades de Direito ainda tem dedicado pouco das suas lições curriculares à construção desta nova cultura, a da pacificação social.

Como uma incrível e marcante coincidência, ao mesmo tempo em que a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros lança a campanha denominada “Não deixe o Judiciário Parar”, por meio da qual vem justamente alertar para os problemas decorrentes do excessivo índice de litigiosidade, recebemos uma visita muito ilustre em nosso Estado cuja voz se prestou a reforçar a crença na democracia e no fortalecimento das instituições. Referida voz deixou muito claro que não é a Justiça, sozinha, que vai salvar o país. Refiro-me ao Juiz Sérgio Moro, responsável pela condução dos processos da Operação Lava Jato, que, numa palestra proferida a aproximadamente 200 magistrados catarinenses, falou sobre a realidade preocupante que vivenciamos, cujos traços compõem um quadro que definiu como sendo de verdadeira corrupção sistêmica, a qual, evidentemente, não pode ser considerada natural.

Pasmem, o juiz Sérgio Moro chegou a relatar que muitas testemunhas ouvidas naqueles processos judiciais sequer sabiam explicar o motivo pelo qual pagavam propinas, tanto que, quando indagadas, simplesmente respondiam que “essa era a regra do jogo”.

Ora, assim como as regras de um jogo normalmente constam descritas no manual que o acompanha, as regras da vida em sociedade constam descritas na lei. Contudo, sabemos que o jogo apenas adquire sentido quando jogado e a vida, quando vivida. E é neste palco da vida que estamos nós, pais e filhos, professores e alunos, políticos e eleitores, juízes e jurisdicionados, enfim, indistintamente cidadãos. Não à toa, é neste mesmo palco da vida que tem origem as razões que motivam a criação da norma e que justificam seu respeito. Se é assim, a regra do jogo deveria ser outra que não esta (marcada por atos de corrupção, identificados em abordagens quase espontâneas sobre propinas ou vantagens de toda ordem). Deveria ser a mesma regra que nos ensinaram nossos pais e professores, a do recíproco respeito à pessoa, aos seus bens e direitos.

Somente assim poderemos sonhar com um país em que tal desrespeito venha a ser exceção e, principalmente, em que o Poder Judiciário passe a ocupar um espaço cada vez menor (o que somente acontecerá quando o cidadão se apropriar do seu papel na primorosa habilidade humana de resolver conflitos, não os dos outros, mas os seus próprios, sempre que possível).

Programa exibido em 11 de dezembro de 2015

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